Yèyé olomi tútú. Opàrà òjò bíri kalee.

Yèyé olomi tútú. Opàrà òjò bíri kalee.

Graciosa mãe, senhora das águas frescas.
Opàrà, que ao dançar rodopia como o vento, sem que possamos vê-la.

sábado, 13 de agosto de 2011

Terreiros e Casas de Cultos Africanos


CASAS E TERREIROS: TERRITÓRIO DE IDENTIDADE, RESISTÊNCIA E DE CONSTRUÇÃO DE LINGUAGEM


De imediato o que se percebe dentro de uma Casa de Candomblé é a relação de hierarquia e poder que persiste através dos tempos. Os pais e mães-de-santo representam à pessoa mais importante dentro do terreiro e são respeitadas todas as suas determinações independentes de qualquer papel social que seus filhos e filhas exerçam fora dos terreiros.
Dessa forma, a construção social das casas e terreiros obedece a uma tradição oral onde sempre ocorreu na família-de-santo com a organização dos cultos através da devoção aos deuses africanos no Brasil. Em geral, os rituais e toda a liturgia que acontece nos cultos africanos no Brasil hoje, são os mesmos que ocorrem na África desde os tempos antigos é claro que sofrendo muitas modificações.

Em parte, a família-de-santo representou para o negro escravizado o resgate aos valores de família que fora destruído com a diáspora negra e com a política de mercado de escravos no Brasil. Cada membro da família era separado dos demais para serem comercializados na tentativa de facilitar o processo de aceitação da condição de escravo.

Foi na formação dos terreiros e casas de culto que o negro pode pela primeira vez no Brasil traçar novos rumos da sua identidade. Inicialmente essas casas, segundo Gonçalves da Silva, 1994, foram formadas pela mesma etnia:

Pelo que se sabe, através da historia oral narrada pelos adeptos, parece terem sidos os africanos de uma mesma etnia os fundadores dos primeiros terreiros, onde iniciaram outros negros africanos, provenientes da sua etnia ou de outras. Com o passar do tempo, e com o ingresso na religião de crioulos, mulatos e finalmente de brancos, a família-de-santo foi assim perdendo a sua característica étnica e passou a ligar, por vínculos religiosos, os vários terreiros fundados pelas gerações seguintes as gerações dos africanos (GONÇALVES DA SILVA, 1994, p. 57).

Por essa razão, Parés, 2007, encara o problema do processo de institucionalização das organizações dos terreiros e casas de cultos africanos no Brasil através de duas etapas. A primeira etapa consiste no progressivo nível de complexidade social, onde as casas eram mantidas pela relação de etnia, mesmo sendo esta mais tarde aberta para os novos adeptos como mulatos e até mesmo homens brancos.


Outra relação era as baseadas nos rituais, que inicialmente os fragmentos da cultura religiosa africana ficaram na atuação principal a fins de cura e adivinhação. (p. 118).
Parés, 2007, lembra das argumentações de Bastide quanto à imutabilidade dos modelos de cultos primordiais que sobreviveram durante todo o tempo. Sabe-se que com a chegada de novos escravos oriundos de outras regiões da África partes dos fragmentos dos cultos se extinguiam sendo substituídos por outros à medida que essas congregações eram formadas. (p. 119).


É claro que os argumentos de Bastide em relação à sobrevivência de alguns rituais é completamente aceitável, porém o que não se pode descartar é a identidade africana da religião, distinguida pelos negros a partir dos modelos e rituais de cada nação. Os terreiros e casas resistem até os dias de hoje principalmente pelo aspecto da ancestralidade.

A ancestralidade induz os elementos que compõem a visão de mundo africano. Os rituais litúrgicos que acontecem nos terreiros de candomblé hoje são, em parte, os mesmo que aconteciam na África e que vieram para o Brasil junto com a diáspora negra. Os mesmos modelos de culto, de poder e interação, a concepção de morte e força vital, as danças, musicas e a linguagem, as divindades, deuses e orixás, as relações de gênero, a linhagem familiar e clássica e todos os elementos herdados e simbólicos de matriz africana.
Durante todo o processo de pesquisa, o que se percebe nos rituais e cultos é a utilização das línguas africanas em todos os rituais litúrgicos do candomblé. As musicas e rezas são ensinadas aos filhos e filhas de modo oral. Quando questionado a respeito de como se aprende as rezas nas línguas africanas, os filhos e filhas de santo respondem que aprenderam com os mais velhos e que dessa forma vão ensinar para os seus filhos.


A transmissão de geração a geração garantiu a manutenção da nação do candomblé com legitimidade e poder. A ligação com a África, representada através dos terreiros e casas tradicionais, foi fator determinante no exercício de influências para as casas mais recentes.
Assim como na relação familiar dos terreiros e casas brasileiras com a chamada “família de santo”, na África essa relação também ocorre seguindo essa tradição familiar. Por esse motivo o termo nação fica sendo utilizado para identificar a origem teológica de determinados grupo, como já foi abordado no capitulo anterior.


Outro aspecto ancestral é o que se denomina “as famílias-de-santo”. Na África, uma cidade inteira cultua um determinado orixá e todas as pessoas dessa cidade realizam oferendas e presentes. Nas casas e terreiros onde se desenvolveu parte dessa pesquisa, observa-se que todos cultuam os seus orixás, “dono do ori e seus ajuntos”, mais também toda a casa cultua o orixá do babalorixá ou da yalorixá. De certo modo, todos os filhos e filhas de santo do Ile Axé Odé Fumilayo são filhos de Oxóssi.


Esses cultos aos diferentes orixás em um mesmo terreiro e casa de candomblé foi iniciada no Candomblé da Barroquinha e para Pares, 2005, representa uma complexa rede de alianças entre os grupos étnicos que contribuíram em grande escala para a consolidação de novas identidades africanas nas terras brasileiras.



O processo de resistência não deve somente ficar associado aos constantes ataques e confrontos policiais cobertos pelo Alabama, no século XIX, nos relatos orais de nossos antepassados ou nas perseguições e intolerâncias religiosas. Com a resistência, os cultos africanos no Brasil puderam construir uma religiosidade afro-brasileira com a possibilidade de resgatar a sua identidade e a dignidade roubada pelo domínio do cristianismo.
Com isso, o culto africano estabelece uma historicidade de conquistas que fica marcado na construção de uma nova identidade, de articulação entre o sagrado e o profano, bases de resistência a barreiras políticas e sociais.
De acordo com Ferreti, 1995, no Brasil o ingresso em um terreiro de candomblé ocorre de modo individual, não acontecendo como ocorre na África através das tradições familiares. A adesão à cultura religiosa africana assume o conceito de nação para identificar a adesão de certo grupo religioso (p. 100).
Com características e costumes ligados de modo ancestral com a África, o candomblé brasileiro não deixa de dialogar com a sociedade local, pois diretamente fica ligada a ela. É dessa forma que se construiu uma identidade que mais tarde podemos denominar de “religiosidade afro-amazônica”. Fruto do resultado da do entrosamento do homem negro com as populações amazônicas.
A resistência e a identidade estão associadas às estratégias de prevenção à proibição do catolicismo pelos escravocratas para o culto às divindades africanas e ao candomblé. É completamente inaceitável encontrar qualquer semelhança entre deusas africanas com deusas européias. Nesse sentido, não podemos atribuir qualquer intenção ou comparação entre Iansã e Santa Bárbara; Oxum com Nossa Senhora da Conceição; Yemanja com Nossa Senhora dos Navegantes, Ogum com São Jorge, e muito menos Exu com o diabo.
É claro que essas estratégias foram utilizadas em um momento propicio e especifico, porem não se pode relacionar culto africano – com aspectos milenares -, com praticas cristãs do século passado.
Percebe-se que a resistência e a identidade no que se refere às praticas litúrgicas das religiões africanas serviram como base para a liturgia das demais religiões do mundo. Podemos citar exemplos de praticas em rituais e cultos africanos que são repetidos em outras religiões como: derramamento de sangue (em todas as religiões); sacrifício (no cristianismo um morre por todos, enquanto nas praticas africanas oferece-se o animal vivo aos orixás, e no judaísmo oferece em holocausto); oferecer alimentos (os orixás são presenteados com comidas secas e sangue de animais, no cristianismo, come-se o pão e bebe-se o vinho); a relação de família (nas religiões cristas a figura do papa e dos pastores, e no candomblé os babalorixás e as yalorixas); as musicas e danças, e muitas outras manifestações.
Há também uma relação estabelecida entre o bem e o mal que não existe nas demais religiões ocidentais. O cristianismo apresenta uma relação de Deus com o bem e cria uma imagem de um deus que se assemelha ao mal.
Esse contexto cristão criou a imagem de um adversário que é denominado pela imagem do Diabo, Satanás, Lúcifer, Capeta, Cão e uma série de denominações que são somente associados ao lado oposto ao que se colocam para Deus como: inimigo, adversário, o coisa ruim.
 Para Maurício, 2009, com a catéquização do Brasil pelos missionários, foi percebido um grande poder em que Exu exercia entre os adeptos do candomblé. Entretanto, esses missionários iniciaram a tarefa de execrá-lo e transformá-lo em um ser abominável, maligno e completamente perigoso, representado com chifres, rabo e com um tridente na mão. (p. 221)
Com essa relação, ficou muito bem estabelecido para as religiões cristãs que o bem fica ligado ao seu deus e o mal ligado ao diabo.
            Para Monteagudo apud Reginaldo Prandi, 2009, “não há idéia de bem e mal como coisa inconciliável. Quem faz essa oposição é o mundo cristão. Para o afro, o bem e mal são faces da mesma moeda e estão presentes em todas as coisas” (p. 01), e essa representação se faz presente não só no Candomblé como nas demais manifestações religiosas de matriz africana.


Durante as sessões com a presença das Pombas-giras, percebe-se nas músicas e pontos, bem como no próprio comportamento dessas entidades, é encontrado uma proximidade tão contraditória pelos cristãos - o bem e o mal -, assim como aquilo que é considerado como pecado ou negativo como: mulher que tem sete maridos, fazer o mal, dançar sobre sepultura, dar gargalhada a meia-noite e outros.

É dentro desse contexto que os terreiros e casas afro-religiosas traçam o seu território de identidade cultural. Não uma identidade apontada historicamente como uma cultura de submundo. Mais uma cultura decisiva para a formação cultural de todo o mundo.
Vale salientar, que o ponto de partida da humanidade é a África. Portanto, os costumes e as tradições nasceram também na África, bem como as manifestações religiosas e a forma em que o homem estabelece a sua relação como o seu Deus.
A importância da resistência e sobrevivência da religiosidade africana representa para a contemporaneidade a possibilidade de voltar às origens e a valorização da historia da humanidade partindo do pressuposto da sua verdadeira origem.

Um comentário:

  1. muito bom seu texto, vc deveria mandar para alguma revista, sugiro apenas a mudança do termo de forma oral para o termo por meio da oalidade, nada contra o termo forma oral, mas é que academicamente o temo utlizado é oralidade.
    Abraços

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